O Festival Extremo convida o público a uma jornada singular pelos Sacromontes entre Braga e Guimarães, no dia 26 de julho, entre o nascer e o pôr do sol. Mais do que um evento musical, é uma peregrinação contemporânea na qual o som, a paisagem e a contemplação se entrelaçam num ritual coletivo. Para Luísa Alvão, presidente da direção da Capivara Azul – Associação Cultural, responsável pela curadoria e produção do projeto, o ponto de partida deste evento nunca foi apenas o programa artístico, mas o próprio lugar onde se inscreve.
O território que liga Braga a Guimarães – uma linha de fronteira que, na visão da equipa, é antes “uma linha que os une” – serviu de base para imaginar um festival em que arte, paisagem e espiritualidade se entrelaçam. A escolha dos edifícios religiosos do Monte de Falperra, como as capelas de Santa Marta das Cortiças, Santa Marta do Leão, Santo António e Santa Maria Madalena, foi determinante para a identidade do Extremo. Estes espaços, marcados por uma forte herança católica, convocam uma outra forma de presença e escuta.
Luísa Alvão recorda que tudo começou com uma pequena placa antiga, onde se prometia indulgência plena a quem ali orasse entre as vésperas de 29 de julho e o pôr do sol do dia seguinte. “Essa descoberta inspirou o conceito do festival como uma peregrinação do nascer ao pôr do sol, em que as apresentações artísticas funcionam como mediadores de fruição entre a audiência e a natureza envolvente, sem a anularem”, destaca.

Luísa Alvão, presidente da direção da Capivara Azul – Associação Cultural, a associação responsável pela curadoria e produção do projeto.
Para escutar com o corpo
Um dos elementos mais desafiadores da curadoria foi a proposta de aproximar a música eletrónica e exploratória – frequentemente associada à vanguarda urbana – de espaços sacralizados e de contemplação. Luísa Alvão afirma que foi precisamente esse contraste que os entusiasmou, recordando experiências marcantes da equipa em concertos inesperados, “onde o som parecia nascer do próprio espaço e do momento”. O festival propõe, assim, uma escuta sensorial e expandida, em que a música se funde com a luz, o silêncio e o ambiente natural. “Esta música não se consome – sente-se com o corpo e transforma-se consoante o contexto”, sublinha. A programação foi desenhada com a intenção clara de promover uma relação imersiva com o território. Para isso, convidaram artistas cuja linguagem sonora privilegiasse a escuta e a experimentação.
Foram encomendadas obras específicas para o local, como “Vozes nas Pedras”, de Cláudia Martinho, e “Memory Surface”, do coletivo Berru. Realizaram ainda residências com Luís Antero e Clothilde, reforçando a ligação direta entre criação e lugar. O nome do festival – Extremo – também foi um estímulo à ousadia curatorial, à procura de artistas que desafiassem os limites da música eletrónica. Um exemplo emblemático, segundo Alvão, é William Basinski, cuja obra é uma meditação sobre “o tempo, a perda e a transformação”. Apesar de o Extremo cruzar o antigo com o contemporâneo e o espiritual com o tecnológico, Luísa Alvão recusa a ideia de “choque” ou “fricção”. Para ela, o festival acontece numa zona de contacto e de permeabilidade entre tempos, disciplinas e linguagens. “Não estamos interessados no limite da fronteira, mas nas ligações que podem evoluir a partir desses encontros”, afirma.

A natureza como palco
Nesse sentido, o Extremo propõe uma expansão tanto do conceito de música como do espaço performativo. O palco tradicional é abandonado em favor de clareiras, capelas, bancos improvisados ou relva no chão. O convite ao público é claro: estar presente, com tempo e atenção, usufruindo da arte em comunidade e em contacto direto com a paisagem. “O espaço performativo é o mundo”, sintetiza Luísa Alvão. A destacar ainda uma colaboração com a Sonoscopia, um coletivo incontornável no universo sonoro nacional, com o projeto Sistema Sonar. Esta estrutura móvel — um órgão de tubos automático, controlado por um sistema interativo onde as ações dos utilizadores determinam o seu comportamento musical — estará na Capela de Santo António. A partir desta peça, a Sonoscopia organizou ainda uma oficina para o Extremo, intitulada ‘Automação musical com inteligência natural’, onde o público poderá experimentar e compreender este mecanismo de forma prática e participativa. No ano em que Braga é Capital Portuguesa da Cultura, o Extremo oferece um contributo singular. “O festival propõe outra ideia de futuro: mais lento, mais atento ao território, mais ecológico, mais coletivo”, afirma a responsável. “Se houver um legado a deixar, que seja esse: escutar as margens em vez de ocupar o centro.”