Até ao dia 15 de abril, Braga – Capital Portuguesa da Cultura acolhe na sua Praça ou Mercado Municipal a exposição “Braga: Rosto em Mutação”. Trata-se de um convite a uma viagem milenar às fundações da cidade minhota, pelas imagens que atestam as suas transformações arquitetónicas, sociais e culturais. Com a colaboração do ator e autor José Miguel Braga, que acrescenta uma narrativa literária, a mostra vai além da fotografia, promovendo um espaço de diálogo sobre a capacidade de reinvenção da cidade e a beleza da sua evolução ao longo do tempo.
Aliás, José Miguel Braga convida-nos a uma experiência imersiva. “Admito que o público, ao visitar a exposição ‘Braga: Rosto em mutação’, poderá experimentar uma espécie de delírio. Utilizo o termo pensando no seu sentido etimológico. Sair do trilho ou do sulco e inventar outro percurso.” A primeira paragem é no Império Romano. “Consideremos primeiro a cidade romana, Bracara Augusta, que parece ter escolhido uma soalheira colina a que costumamos chamar Cividade. A cidade de então teria o seu fórum, termas, teatro e arruamentos. Com as invasões bárbaras, Bracara Augusta terá sido destruída em parte, mas abandonada também. Convém lembrar que antes do ano 1000 a cidade será atacada e em parte destruída por sucessivas invasões árabes.”

O Mercado Municipal de Braga, onde decorre a exposição, é um dos marcos desta viagem no tempo
Depois, com a fundação do reino, a urbe cresce e fortifica-se a cidade medieval em volta da catedral, afastando-se dos limites da primitiva cidade romana. “Com o Renascimento e o governo de Dom Diogo de Sousa, a cidade medieval conhece uma renovação sem precedentes. O ilustre arcebispo cria uma abertura na muralha, alarga o centro cívico e desenha novos espaços, o Campo da Vinha, o Campo dos Remédios, o Campo de Santana e o Largo das Carvalheiras. A cidade expande-se, reorienta-se, sai das muralhas”, explica José Miguel Braga.
Admito que o público, ao visitar a exposição ‘Braga: rosto em mutação’, poderá experimentar uma espécie de delírio. Utilizo o termo pensando no seu sentido etimológico. Sair do trilho ou do sulco e inventar outro percurso.
E chega-se ao período barroco igualmente importante para a cidade minhota. “Esse processo de alargamento e de implosão a partir do interior continua. É fundamental destacar o trabalho artístico desenvolvido por André Soares e, um pouco mais tarde, num estilo complexo tardo-barroco e neoclássico, o de Carlos Amarante. Durante uma boa parte do século XIX, a cidade continuará o seu processo de crescimento e renovação, mas será com o fim do século e o início do século XX que terão lugar profundas e radicais transformações.” Como explica, “a destruição de grande parte da cidadela, do quarteirão associado ao Convento dos Remédios e da Rua da Água, dará lugar à conformação do centro cívico num formato muito semelhante ao que temos hoje”.
Universidade do Minho e teatro universitário
Um dos marcos para a cidade foi a criação, por José Miguel Braga, do primeiro teatro universitário em Braga, o TUBRA, em 1978. Na década de 80 do século passado, o ator e autor ajudou a criar o teatro independente Pronto, que levava peças a zonas rurais. Um pioneiro na descentralização cultural. “O TUBRA foi obra coletiva. É quase sempre assim no teatro. Fiz parte dos fundadores e reconheço que, na época, o teatro ajudou a consolidar uma certa vivência e cultura universitária e contribuiu também para a animação da cidade e a formação de público. Se bem me lembro, levamos à cena ‘O poeta’ e ‘Os direitos do Homem’, de Yvette K. Centeno, ‘O Urso’, de Tchekhov, e ‘O Espião’, de Bertolt Brecht”.

José Miguel Braga, autor e ator
O impacto da investigação e dos criadores e autores ligados à Universidade do Minho, onde José Miguel Braga se doutorou em Ciências da Comunicação, foi também transformador para a cidade. “A Universidade do Minho cresceu, e hoje pode considerar-se uma grande universidade, não só pelo número de estudantes, professores, investigadores e funcionários que a integram, não só pelo importante património que reúne nas cidades de Braga, Guimarães e também em Monção, mas também pelo conjunto de realizações e pelo contributo que tem prestado ao mundo da ciência, da cultura, do ensino e da economia, em particular no apoio ao desenvolvimento e performance industrial da região.”
Como diretor artístico e professor de Interpretação do curso profissional de Artes do Espetáculo – Interpretação da ESAS (Escola Secundária Alberto Sampaio) em Braga, José Miguel Braga formou centenas de alunos. “Aprendemos em conjunto a valorizar fundamentalmente a disciplina artística e a ética de ator. Aprendemos a inventar a casa do teatro e a torná-la habitável a partir do exercício do corpo pensativo do ator. Partimos sempre do princípio de que sem experimentarmos o palco e sem conhecimento direto do contacto com o público e das envolvências do espetáculo, não poderia haver verdadeira e consistente aprendizagem.”
Para José Miguel Braga, “a candidatura de Braga a Capital Europeia da Cultura e depois a Capital Nacional da Cultura é justa”. Condições não lhe faltam, assegura: “A cidade tem uma população jovem numerosa e está bem servida em termos de rede viária e ferroviária. A universidade tornou-se um grande polo de atração, mas há que contar também com o desenvolvimento industrial e dos serviços e, portanto, com a oferta de trabalho. Os jovens são particularmente dinâmicos e inventores de projetos e de soluções. A cidade cresceu, modernizou-se e, de um modo geral, oferece muito do que se julga necessário para viver o dia a dia de acordo com modelos e padrões contemporâneos.”
O professor que acompanhou gerações de criadores culturais diz que “Braga empreendeu a partir dos anos 1980 um caminho de grande expansão e renovação”. “Falta refletir sobre o que foi feito e disso fazer cultura viva, exercício de cidadania em favor de uma sólida e ativa sociedade civil capaz de proteger o património e de reinventar a memória e o espaço urbano”, conclui. E é, sem dúvida, um património
que merece ser protegido.